11/19/2008

biodiesel

Quim. Nova, Vol. 28, No. 1, 19-23, 2005
Artigo
*e-mail: ferrarir@uepg.br
BIODIESEL DE SOJA – TAXA DE CONVERSÃO EM ÉSTERES ETÍLICOS, CARACTERIZAÇÃO FÍSICOQUÍMICA
E CONSUMO EM GERADOR DE ENERGIA
Roseli Aparecida Ferrari*, Vanessa da Silva Oliveira e Ardalla Scabio
Departamento de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Av. General Carlos Cavalcante, 4748,
84030-900 Ponta Grossa - PR
Recebido em 17/10/03; aceito em 26/8/04; publicado na web em 23/11/04
BIODIESEL FROM SOYBEAN: CHARACTERIZATION AND CONSUMPTION IN AN ENERGY GENERATOR. Biodiesel
was produced by the transesterification of neutral soybean oil and anhydrous ethanol using NaOH as catalyst. Combinations of
biodiesel and diesel in the proportions of 0, 5, 10, 20, 40, 60, 80 and 100% were tested, respectively, as fuel in an energy generator.
The average consumption and mixture performance were analysed. The tests showed a reduction in Diesel oil consumption when
mixed with up to 20% of biodiesel. The quality characteristics of these fuels were analyzed.
Keywords: biodiesel; ethyl esters; transesterification.
INTRODUÇÃO
A maior parte de toda a energia consumida no mundo provém do
petróleo, do carvão e do gás natural. Essas fontes são limitadas e
com previsão de esgotamento no futuro, portanto, a busca por fontes
alternativas de energia é de suma importância1. Neste contexto, os
óleos vegetais aparecem como uma alternativa para substituição ao
óleo diesel em motores de ignição por compressão2-4, sendo o seu
uso testado já em fins do século XIX, produzindo resultados
satisfatórios no próprio motor diesel5,6. Esta possibilidade de emprego
de combustíveis de origem agrícola em motores do ciclo diesel é
bastante atrativa tendo em vista o aspecto ambiental, por serem uma
fonte renovável de energia5,7,8 e pelo fato do seu desenvolvimento
permitir a redução da dependência de importação de petróleo7.
Foi constatado, porém, que a aplicação direta dos óleos vegetais
nos motores é limitada por algumas propriedades físicas dos mesmos2,
principalmente sua alta viscosidade, sua baixa volatilidade e
seu caráter poliinsaturado, que implicam em alguns problemas nos
motores, bem como em uma combustão incompleta2,9-11. Assim, visando
reduzir a viscosidade dos óleos vegetais, diferentes alternativas
têm sido consideradas, tais como diluição, microemulsão com
metanol ou etanol, craqueamento catalítico e reação de transesterificação
com etanol ou metanol2,5. Entre essas alternativas, a transesterificação
tem se apresentado como a melhor opção2,12, visto que
o processo é relativamente simples1 promovendo a obtenção de um
combustível, denominado biodiesel, cujas propriedades são similares
às do óleo diesel3,8,9,13.
O biodiesel pode então ser definido como sendo um mono-alquil
éster de ácidos graxos derivado de fontes renováveis, como óleos
vegetais e gorduras animais4,14,15, obtido através de um processo de
transesterificação, no qual ocorre a transformação de triglicerídeos
em moléculas menores de ésteres de ácidos graxos9,12 . Encontra-se
registrado na “Environment Protection Agency – EPA – USA” como
combustível e como aditivo para combustíveis e pode ser usado puro
a 100% (B100), em mistura com o diesel de petróleo (B20), ou numa
proporção baixa como aditivo de 1 a 5%16; sua utilização está associada
à substituição de combustíveis fósseis em motores do ciclo diesel6,17,
sem haver a necessidade de nenhuma modificação no motor18.
Como combustível o biodiesel possui algumas características que
representam vantagem sobre os combustíveis derivados do petróleo,
tais como, virtualmente livre de enxofre e de compostos aromáticos;
alto número de cetano; teor médio de oxigênio; maior ponto de fulgor;
menor emissão de partículas, HC, CO e CO2; caráter não tóxico
e biodegradável, além de ser proveniente de fontes renováveis17,19,20.
A utilização de biodiesel como combustível vem apresentando
um potencial promissor no mundo inteiro21, sendo um mercado que
cresce aceleradamente22 devido, em primeiro lugar, a sua enorme
contribuição ao meio ambiente, com a redução qualitativa e quantitativa
dos níveis de poluição ambiental, principalmente nos grandes
centros urbanos23. Em segundo lugar, como fonte estratégica de energia
renovável em substituição ao óleo diesel e outros derivados do
petróleo. Assim, países como França, Áustria, Alemanha, Bélgica,
Reino Unido, Itália, Holanda, Finlândia, Estados Unidos, Japão e
Suécia vêm investindo significativamente na produção e viabilização
comercial do biodiesel, através de unidades de produção com diferentes
capacidades6,13,21 e também se pode dizer que para o Brasil
esta é uma tecnologia bastante adequada, devido à disponibilidade
de óleo de soja e de álcool etílico derivado da cana-de-açúcar. No
entanto, a comercialização do biodiesel ainda apresenta alguns gargalos
tecnológicos24, surgindo como obstáculos para sua comercialização
o preço da matéria-prima e os custos operacionais25.
O Brasil consome cerca de 35 milhões de t/ano de óleo diesel26,
assim, com ampliação deste mercado a economia de petróleo importado
seria expressiva, podendo inclusive minimizar o déficit de nossa
balança de pagamentos. Além disso, no processo de transesterificação
resulta como subproduto a glicerina1,2,9, sendo seu aproveitamento
outro aspecto importante na viabilização do processo de
produção do biodiesel, fazendo com que ele se torne competitivo no
mercado de combustíveis27.
A maior parte do biodiesel atualmente produzido no mundo deriva
do óleo de soja, utilizando metanol e catalisador alcalino4, porém,
todos os óleos vegetais, enquadrados na categoria de óleos fixos
ou triglicerídeos, podem ser transformados em biodiesel28.
Fatores como a geografia, o clima e a economia determinam o
óleo vegetal de maior interesse para uso potencial nos biocombustíveis.
Assim, nos Estados Unidos, por exemplo, o óleo de soja é
considerado como matéria-prima primordial e, nos países tropicais,
é o óleo de palma. Dentre as matérias-primas incluem-se os óleos de
20 Ferrari et al. Quim. Nova
palma, soja, algodão e mamona, além dos óleos de menor produção
como o de babaçu6. Na Alemanha, o óleo de colza é utilizado na
produção de biodiesel, o qual é distribuído de forma pura, isento de
qualquer mistura ou aditivação. Há também a produção de biodiesel
na Malásia a partir do óleo de palma29.
Os óleos vegetais mais comuns, cuja matéria prima é abundante
no Brasil, são soja, milho, amendoim, algodão, babaçu e palma30. A
soja, considerada a rainha das leguminosas, dispõe de uma oferta
muito grande do óleo, pois quase 90% da produção de óleo no Brasil
provêm dessa leguminosa28. A produção mundial de soja da safra
00/01 situou-se em 174,3 milhões de t, patamar 9,0% maior que da
safra 99/00 (159,85 milhões)31 A produção brasileira de soja na safra
de 2002 foi de aproximadamente 43 milhões de t32.
Quanto aos álcoois, os mais freqüentemente empregados são os
de cadeia curta, tais como metanol, etanol, propanol e butanol. No
Brasil o uso de etanol anidro é vantajoso, pois este é produzido em
larga escala para ser misturado à gasolina1, além de ser um produto
obtido através de biomassa e, dessa maneira, o processo torna-se
totalmente independente do petróleo5, promovendo a produção de
um combustível completamente agrícola9. A produção de etanol está
prosperando e já alcançou 7 bilhões de litros por ano, sendo que a
capacidade instalada de produção no Brasil é da ordem de 16 bilhões
de L/ano. Segundo Lima33, a produção nacional de álcool anidro no
período de 97/98 esteve em torno de 5.596.000 m3.
Com relação aos catalisadores, a transesterificação pode ser realizada
tanto em meio ácido quanto em meio básico34 porém, ela
ocorre de maneira mais rápida na presença de um catalisador alcalino
que na presença da mesma quantidade de catalisador ácido,
observando-se maior rendimento e seletividade, além de apresentar
menores problemas relacionados à corrosão dos equipamentos9,35.
Os catalisadores mais eficientes para esse propósito são KOH
e NaOH, sendo que o uso de hidróxido de sódio, ao invés de
metóxido de sódio, é preferido por causa dos perigos e inconvenientes
do uso de metal de sódio36.
Para aumentar o rendimento de alquil ésteres e para permitir a
formação de uma fase separada de glicerol um excesso de agente
transesterificante (álcool primário) é usado, devido ao caráter reversível
da reação1,35. Também, para que resulte uma transesterificação
satisfatória, os óleos devem possuir baixo teor de ácidos graxos livres37,38,
pois esses durante o processo de transesterificação podem
reagir com o catalisador alcalino formando produtos saponificados39,
o que diminui a eficiência de conversão. Os óleos brutos comercialmente
encontrados possuem um índice de acidez entre 0,5 – 3%39,
sendo indicado para uma reação completa na produção de biodiesel
que o teor de ácidos graxos livres seja inferior a 3%37.
Inúmeros trabalhos vêem sendo desenvolvidos com testes de
vários tipos de óleos transesterificados, puros ou misturados ao diesel
convencional em diferentes proporções e têm demonstrado bons
resultados quando utilizados por caminhões, ônibus e tratores8,17,27,40.
O objetivo do presente trabalho foi avaliar a taxa de conversão
do óleo neutro de soja em éster etílico (biodiesel) e o rendimento no
processo de transesterificação, bem como caracterizá-lo segundo
parâmetros químicos e físicos, testando seu consumo em gerador de
energia elétrica.
PARTE EXPERIMENTAL
Obtenção dos ésteres etílicos
A reação de transesterificação foi realizada em um reator de 5 L,
provido de camisa de circulação de água aquecida e agitação mecânica.
O sistema permaneceu a 50 ºC e então 3 L de óleo neutro de
soja foram adicionados. Quando o sistema atingiu 45 ºC, a solução
de 1,5 L de etanol anidro e 15 g do catalisador NaOH foi adicionada,
estabelecendo-se este momento como sendo o tempo zero da reação.
O tempo de reação foi 5 min, pois neste tempo foi constatada a conversão
completa de ésteres pelo escurecimento brusco da mistura,
seguida de retorno da coloração inicial da mistura. Após o término
da reação, 600 g de glicerina p.a foi adicionada para acelerar a formação
da fase inferior. Isso resultou na formação de uma fase superior
correspondente aos ésteres etílicos e uma fase inferior contendo
a glicerina, formada pela reação e adicionada, ao excesso de etanol,
o hidróxido de sódio que não reagiu, junto com os sabões formados
durante a reação e alguns traços de ésteres etílicos e glicerídeos parciais.
Após a separação das duas fases por decantação, os ésteres obtidos
foram purificados através da lavagem com uma solução contendo
1,5 L de água destilada a 90 ºC e 0,5% de HCl concentrado. Com
isso o catalisador remanescente da reação foi neutralizado, fato confirmado
com a análise da água de lavagem com indicador fenolftaleína
1%. A fase aquosa foi separada do éster por decantação e os traços
de umidade foram eliminados pela filtração posterior com sulfato de
sódio anidro. A fase inferior separada foi submetida a uma destilação
a 80 ºC sob vácuo moderado, para recuperação do excesso de
etanol, e a glicerina permaneceu.
Conversão em ésteres etílicos
O biodiesel obtido foi analisado qualitativamente através de
cromatográfica em camada delgada – CCD, para se verificar a conversão
em ésteres etílicos. Para isso, o biodiesel foi dissolvido em
éter de petróleo e aplicado em uma placa cromatográfica contendo
sílica como fase estacionária. Os padrões empregados foram ésteres
de ácidos graxos, ácidos graxos e triglicerídeos, também dissolvidos
em éter de petróleo. A fase móvel utilizada na cuba cromatográfica
foi uma mistura de éter de petróleo, éter etílico e ácido acético na
proporção de 80:20:1, respectivamente. A placa cromatográfica após
eluição foi revelada com vapor de iodo e o Rf das manchas dos padrões
e dos componentes das amostras foi determinado.
A conversão da reação de transesterificação foi determinada com
base na quantidade de óleo neutro de soja que entra no processo.
Após o preparo de diversas bateladas obteve-se, então, uma conversão
média na formação de ésteres etílicos.
Caracterização quanto aos aspectos químicos e físicos
As análises químicas e físicas foram conduzidas, respectivamente,
pelas seguintes metodologias: quanto aos parâmetros de cor, aspecto,
massa específica a 20 °C, teor de enxofre, índice de cetano, resíduo
de carbono e miscibilidade em óleo diesel segundo metodologias
recomendadas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo)41; índice
de iodo, método Cd 1-25 AOCS42, índice de acidez, método Ca 5-40
AOCS42, índice de peróxido, método Cd 3-25 AOCS42 e teor de cinzas,
método Ca 11-5542.
Caracterização quanto à composição em ésteres etílicos de
ácidos graxos
A composição em ésteres de ácidos graxos foi determinada por
cromatografia gasosa após preparo dos ésteres segundo método descrito
por Hartman e Lago43. O cromatógrafo utilizado foi Perkin Elmer
Sigma 3B, equipado com detector FID e coluna 10% DEGS. As
temperaturas do injetor e do detector foram mantidas a 225 °C e a da
coluna a 175 °C. A identificação dos picos foi realizada através da
comparação com tempo de retenção de padrões Nu-Chek, e a
quantificação por normalização de área.
Vol. 28, No. 1 Biodiesel de Soja 21
Teste de consumo em gerador de energia
Os testes de consumo foram realizados em um gerador de energia
de Marca Yanmar do Brasil S.A/ NSB50 – Kohlbach S.A/ Rot. 1800/
Hz 60, mantido sob as mesmas condições de operação. O diesel puro
e de misturas deste com 5, 10, 20, 40, 60 e 80% de biodiesel, bem
como o do biodiesel puro foram aplicados numa quantidade
estabelecida ao gerador de energia e o tempo de consumo dos mesmos
foi monitorado. O consumo médio foi então determinado e expresso
em L/h de funcionamento do equipamento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A taxa de conversão do óleo neutro de soja em ésteres etílicos
depende diretamente da maneira que a reação de transesterificação é
conduzida, bem como das condições do processo. Assim, o curso da
transesterificação (Figura 1) é influenciado por vários fatores que incluem
o tipo de catalisador (alcalino ou ácido), razão molar álcool/
óleo vegetal, temperatura, pureza dos reagentes (principalmente o conteúdo
de água) e o teor de ácidos graxos livres, os quais têm influência
no curso da transesterificação1. Neste trabalho, o processo de catálise
básica foi adotado tendo em vista o fato de apresentar melhor rendimento
e seletividade, além de menor tempo de reação que a catálise
ácida9,35 e, também, para evitar problemas com corrosão dos componentes
do motor, que ocorrem devido à presença de traços de ácido10.
O álcool utilizado foi o etanol isento de água (anidro) e em excesso
devido ao caráter reversível da reação de transesterificação1,34,35. Assim,
por causa deste equilíbrio reacional, um excesso de álcool aumenta
a conversão de éster pela mudança deste equilíbrio para direita.
Quanto ao tempo reacional, como indicam algumas pesquisas, a
reação de transesterificação é muito rápida, pois a conversão de ésteres
etílicos é próxima do valor máximo com apenas 5-10 min de reação,
estabiliza no valor máximo após 20-30 min e alguns autores indicam
que no equilíbrio existem di- e monoglicerídeos com concentração de
2 e 4%, respectivamente9. No período inicial a reação é muito rápida,
existindo um segundo período muito mais longo que o primeiro, no
qual a composição evolui vagarosamente até o equilíbrio44. Neste trabalho,
após o acompanhamento cromatográfico dos produtos formados
após diversos períodos de tempo de reação, o tempo de 5 min foi
estabelecido como suficiente para a ocorrência da conversão do óleo
neutro e seco em éster. O fato do óleo não apresentar ácidos graxos
livres e ser isento de umidade favoreceu a formação rápida dos ésteres
etílicos. Além disso, observou-se que no momento da ocorrência da
reação há uma brusca mudança na cor da mistura, sendo esta escurecida
e logo após retornando à coloração inicial.
Normalmente a alcoólise alcalina de óleos vegetais é conduzida
a temperatura próxima do ponto de ebulição do álcool e a temperatura
está correlacionada com o tempo de reação. Porém, alguns autores
afirmam que temperatura de reação acima de 60 ºC deve ser evitada,
pois esta tende a acelerar a saponificação dos glicerídeos pelo
catalisador alcalino antes da completa alcoólise9 e que a transesterificação
pode ser realizada satisfatoriamente à temperatura ambiente44.
Logo, a temperatura de aproximadamente 45 ºC foi adotada de
modo a se obter uma conversão satisfatória de ésteres etílicos, não
ultrapassando a temperatura do ponto de ebulição do etanol.
É importante também atentar para a necessidade de se remover
as impurezas que permanecem na fase éster, por exemplo, sabões,
traços de NaOH, traços de etanol e glicerol livre. Caso contrário, um
alto teor de glicerol livre pode resultar na separação do glicerol, causando
problemas durante o armazenamento, no sistema do combustível
ou alta produção de aldeídos. Para tanto, a fase éster foi submetida
à lavagem com água destilada acidificada com HCl concentrado,
a 90 ºC. A eficiência da lavagem foi indicada por um teste com
indicador de pH. Então, utilizando-se uma solução de fenolftaleína
1% pode-se observar se o pH do éster está neutro pela análise da
água de lavagem que sai do reator, ou seja, quando testada não apresenta
variação de coloração. Além disso, observando-se a baixa presença
de glicerol livre no éster obtido, como indicado na Tabela 3,
pode-se dizer que o glicerol foi removido com sucesso, o que indica
que a etapa de purificação foi adequada.
Analisando-se os cromatogramas obtidos, verificou-se através
dos Rfs das manchas obtidas, conforme a Tabela 1, a produção apenas
de ésteres etílicos, confirmando a eficiência da conversão total
dos ácidos graxos em ésteres etílicos pelo procedimento adotado neste
trabalho. Considera-se que a CCD é uma técnica bastante simples
que pode ser utilizada de forma qualitativa, mas bastante eficiente,
para avaliar se a conversão em ésteres etílicos foi completa e, conseqüentemente,
houve a produção de biodiesel.
Através do balanço de massa do processo, obtém-se como resultado
da reação de transesterificação 57,26% em ésteres etílicos,
22,29% em glicerina, 10,04% de etanol recuperado e 10,41% de
perdas, em massa, como pode ser verificado na Tabela 2. Vale dizer
que estes valores representam o rendimento médio de 13 bateladas
consecutivas.
Reduções nas perdas existentes neste tipo de processo poderão
baixar os custos de produção. A recuperação de parte do etanol foi
possível, pois este foi adicionado em excesso no início da reação,
devido ao caráter reversível da transesterificação. Visando a redução
de custos, testou-se o retorno desse etanol ao processo. Com esse
procedimento observou-se a conversão do óleo de soja em biodiesel,
porém esta não foi completa, acarretando uma diminuição no rendimento.
Isto pode ser explicado pelo fato do etanol recuperado não
possuir caráter anidro, assim sendo, antes de retornar ao processo
deveria ser desidratado.
Ainda vale salientar que partindo apenas da quantidade de óleo
que entra na reação observa-se uma taxa de conversão de 97,5% dos
Tabela 1. Rfs de padrões e de amostra de biodiesel obtido a partir de
óleo neutro de soja e de óleo de soja usado em fritura
Composto Rf
Triglicerídeos 0,54
Ácidos graxos 0,44
Ésteres de ácidos graxos 0,71
Biodiesel óleo neutro de soja 0,70
Figura 1. Transesterificação de triglicerídeos, onde R1, R2 e R3 representam
as cadeias carbônicas dos ácidos graxos
Tabela 2. Rendimento médio das 13 bateladas do processo de
obtenção do biodiesel
Produto Rendimento do processo %
Biodiesel (ésteres etílicos) 57,26±3,65
Glicerina 22,29±2,24
Etanol 10,04±2,99
Perdas 10,41±2,82
22 Ferrari et al. Quim. Nova
ácidos graxos presentes em ésteres etílicos, com produção de glicerina
como subproduto.
A glicerina é um produto de valor comercial e que possui inúmeras
aplicações industriais, porém a glicerina obtida no processo de
produção do biodiesel apresenta-se mais escura e contendo algumas
impurezas. Sendo assim, há um grande interesse na sua purificação e
no seu reaproveitamento, o que já vem sendo estudado45, pois isto
levaria à viabilização do processo, permitindo que o biodiesel se
torne competitivo no mercado de combustíveis.
As características de qualidade do produto obtido são relatadas
na Tabela 3, onde os parâmetros foram comparados com a
especificação da ANP para o diesel comercializado no país41. O número
de cetano representa uma das mais importantes propriedades
do diesel automotivo e seu aumento geralmente resulta em redução
da emissão pela exaustão, diminuindo o consumo de combustível e
reduzindo o barulho do motor44. Como equações para predizer o
número de cetano não são aplicáveis ao biodiesel, um parâmetro
alternativo adotado para o biodiesel é o índice de cetano13 e o valor
obtido para o éster etílico produzido foi maior que aquele derivado
do óleo diesel, reiterando a adequação de suas características como
combustível automotivo alternativo. Observa-se também que o teor
de enxofre total presente no biodiesel é inferior ao do óleo diesel, o
que confere ao biodiesel uma grande vantagem, pois elimina a emissão
de gases de enxofre (SO2 por exemplo) que ocorre no escape dos
motores a diesel. Após esta avaliação pode-se observar que os
parâmetros de qualidade do produto estão compatíveis com as
especificações existentes atualmente para o diesel. Assim, pode-se
dizer ainda que a similaridade encontrada nos pesos moleculares entre
os ésteres obtidos e o diesel comercial estende-se às propriedades
físico-químicas, o que incentiva o teste dos ésteres graxos como
melhor sucedâneo do diesel que os óleos vegetais in natura2.
Quanto ao resíduo de carbono, que representa a tendência de
formar carbono dos combustíveis13, pode-se dizer que este é um
parâmetro de grande importância na análise de combustíveis, pois
há uma correlação entre o conteúdo de carbono do combustível e a
formação de depósitos no injetor46. Como se pode observar no caso
dos ésteres etílicos de óleo de soja, um valor inferior ao das especificações
do diesel combustível foi encontrado para o resíduo de
carbono, embora este valor exceda ao especificado para o biodiesel
de acordo com a E-DIN 51606. No entanto, não foi relatado nenhum
problema quanto à combustão incompleta ou depósito anormal de
carbono durante os testes.
A composição média de ésteres etílicos de ácidos graxos do
biodiesel produzido pode ser verificada na Tabela 4. Observa-se a predominância
de ésteres etílicos de ácidos graxos insaturados, com o
ácido linoleico aparecendo em maior quantidade, e um teor total de
14,83% de ésteres etílicos de ácidos graxos saturados presentes no
biodiesel produzido a partir do óleo neutro de soja. Dependendo da
matéria-prima, o biodiesel pode conter mais ou menos ácidos graxos
insaturados em sua composição, os quais são susceptíveis a reações de
oxidação aceleradas pela exposição ao oxigênio e altas temperaturas,
condições que são pertinentes ao funcionamento do motor. A decomposição
térmica também pode resultar em compostos poliméricos, que
são prejudiciais ao funcionamento do motor. Portanto, há a necessidade
de se determinar a composição em ésteres de ácidos graxos no
biodiesel para poder se estudar sua estabilidade47.
O consumo em litros por hora de diesel e de suas misturas com
biodiesel, nos testes utilizando gerador de energia após várias repetições,
é apresentado na Tabela 5, sendo seu perfil de consumo demonstrado
pelo gráfico da Figura 2.
Os resultados demonstraram que com a adição de até 20% de
biodiesel ocorreu uma diminuição do consumo do combustível pelo
equipamento contudo, quando o teor de biodiesel na mistura com o
diesel foi mantido acima de 20% ocorreu uma elevação no consumo
do combustível utilizado. Monyem e Van Gespen14 também observaram
que a performance do motor com biodiesel puro e suas misturas
foi similar à observada com diesel combustível com a mesma eficiência
térmica, mas o consumo de combustível foi maior, devido
possivelmente a seu menor poder calorífico.
Agarwal e Das11 igualmente encontraram que 20% da mistura de
biodiesel no óleo diesel, testado em um motor a diesel, teve a melhor
performance entre todas as misturas analisadas, sendo que esta obteve
um benefício de 2,5% na máxima eficiência térmica e teve subs-
Tabela 5. Consumo em litros por hora de diesel, misturas de diesel
biodiesel e biodiesel testados em gerador de energia Yanmar
Combustível Consumo (L/h)
Diesel 0,6981
B5 0,6760
B10 0,6571
B20 0,6875
B40 0,7115
B60 0,7255
B80 0,7555
B100 0,7914
Tabela 4. Composição média de ésteres etílicos de ácidos graxos do
biodiesel de soja produzido
N° de Carbonos Ácido Graxo Concentração (%)
C16:0 Palmítico 11,29
C18:0 Esteárico 03,54
C18:1 Oléico 22,45
C18:2 Linoleico 54,62
C18:3 Linolênico 08,11
Tabela 3. Características de qualidade do biodiesel de soja obtido comparado com algumas especificações para o diesel comercializado no
Brasil segundo a Port. 310/01 da ANP41 e biodiesel de acordo com E-DIN 51606
Características Especificação diesel Especificação biodiesel Biodiesel de soja
Aspecto Límpido, isento de impurezas - Límpido, isento de impurezas
Cor ASTM, máx. 3,0 - 2,0
Enxofre Total, máx. 0,35% - <0,075%
Massa específica a 20 °C 820 a 880 kg/m3 875 a 900 kg/m3 877,5 kg/m3
Índice de cetano, mín. 45 - 57,8
Resíduo Carbono, máx. 0,25% <0,05% 0,14%
Índice de acidez - <0,5 mg KOH/g 0,5 mg KOH/g
Índice de Iodo - <115 g I2/100 g 104,45 g I2/100 g
Cinzas 0,02% - 0,006%
% de glicerol livre - <0,02 0,0109%
Vol. 28, No. 1 Biodiesel de Soja 23
tancial redução nos teores de fumaça. Já Dorado et al.8 concluíram
que o motor a diesel, analisado sem nenhuma modificação, funcionou
de maneira bem sucedida com misturas de 10% de biodiesel de
óleo de fritura e 90% de óleo diesel, sem nenhum dano aparente nos
componentes do motor. Al-Widyan et al.48 estudando o potencial do
biodiesel para substituição do óleo diesel obtiveram resultados que
indicaram que as diversas misturas éster/diesel estudadas queimaram
com maior eficiência e com menor consumo específico de combustível,
resultando, portanto, em maior eficiência térmica do motor.
Além disso, as misturas produziram menos monóxido de carbono
que o óleo diesel. O éster 100% e a mistura 75:25 éster/diesel teve a
melhor performance, enquanto que a mistura 50:50 consistentemente
resultou em menor emissão em todas as velocidades testadas.
CONCLUSÕES
O processo de obtenção de biodiesel a partir do óleo neutro de
soja adotado neste trabalho promove uma conversão de 97,5% do
óleo em ésteres etílicos, através de processo simples e rápido. As
perdas no processo foram de 10%, as quais sendo reduzidas, juntamente
com a recuperação de etanol e comercialização da glicerina
gerada, tornam o processo viável.
Quanto aos parâmetros químicos e físicos analisados pode-se
dizer que o biodiesel se apresenta com qualidade de acordo com os
limites estabelecidos pela ANP para o óleo diesel comercial e possui
predominância de ésteres etílicos de ácidos graxos insaturados em
sua composição. Quando testado em gerador de energia elétrica em
mistura com óleo diesel comercial numa proporção de até 20% de
biodiesel, apresentou uma diminuição do consumo do combustível.
Sendo o biodiesel obtido de fontes renováveis, matérias-primas
abundantes no Brasil, a geração de emprego que a obtenção em escala
industrial deste produto irá ocasionar, a redução da dependência
externa de importação de diesel consumido no país, aliada ao fato da
redução da poluição atmosférica com adição do biodiesel ao diesel,
e ainda a vantagem constatada neste trabalho da diminuição do consumo
de combustível quando o teor do mesmo na mistura está na
faixa de até 20%, nos estimula a recomendar esta adição.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pelo apoio concedido e à empresa COINBRA pelo
óleo fornecido.
REFERÊNCIAS
1. Shuchrdt, U.; Sercheli, R.; Vargas, M.; J. Braz. Chem. Soc. 1998, 9, 190.
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Res. 1999, 38, 2927.
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Figura 2. Perfil de consumo de diesel, misturas de diesel biodiesel e biodiesel
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